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Três conhecimentos jurídicos que seu time de suprimentos precisa ter

Gestão de riscos e compliance é uma tarefa da empresa toda. Ajude o time de Suprimentos a fazer a sua parte a partir da compreensão dessas três regras jurídicas.

Gerir riscos legais é um trabalho para todos os setores da empresa, indo muito além do Jurídico. Isso é ainda mais verdadeiro quando a rotina dos colaboradores envolve o ciclo de vida dos contratos.

Estes instrumentos acabam tendo uma má fama dentro de muitas organizações, como se falar em contrato fosse sinônimo de “complicação” ou “burocracia”.

O problema é que essa visão acaba prejudicando a compreensão do documento pelo que ele realmente é: o conjunto das regras do jogo que vai pautar todas as relações que constituem a empresa e estabelecem os vínculos dela com o mundo.

Por isso, neste texto você vai entender três conhecimentos jurídicos que afetam diretamente a rotina de um departamento de Suprimentos, em especial na parte de compras e gestão de contratos. Ter uma noção desses pontos ajuda a compartilhar a tarefa de gerir riscos jurídicos no dia a dia das operações.

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1. Em regra, propostas (e contrapropostas) são vinculantes

 

Receber propostas e fazer contrapropostas são atividades rotineiras dos compradores, mas é preciso ficar atento: elas podem ser vinculantes.

Isso mesmo!

Ainda que você não assine um contrato, nem aprove os termos do acordo seguindo os fluxos de governança da empresa, existem casos nos quais propostas e contrapropostas já podem criar obrigações para a companhia.

A regra é: toda proposta obriga o proponente. E fique atento: se você fizer uma contraproposta, mudando algum detalhe, você se torna o proponente e também está obrigado nos termos apresentados.

Essa regra admite algumas exceções, sendo que duas delas são mais comuns:

  • Quando a proposta indica expressamente que não é vinculante (aí entra a importância de usar os modelos aprovados pelo Jurídico).
  • Quando as circunstâncias do caso tornarem a proposta não vinculante.

O principal ponto sobre as circunstâncias do caso diz respeito ao timing da proposta e da aceitação:

  • Caso 1: Quando a proposta é feita sem prazo em uma conversa com pessoas “presentes”, se ela não for aceita, deixa de ser vinculante.
  • Caso 2: Quando a proposta é feita sem prazo, mas a conversa é entre pessoas “ausentes”, será preciso esperar tempo o suficiente para que uma resposta seja enviada, o que pode variar de acordo com o caso concreto. Se a resposta não voltar nesse intervalo, a proposta deixa de ser vinculante.
  • Caso 3: Quando a proposta é feita com prazo, é preciso esperar que o prazo acabe para deixar de considerá-la vinculante.
  • Caso 4: Quando há uma retratação da proposta e essa informação chega antes ou ao mesmo tempo que a aceitação, o acordo não é formado.

Vale explicar a diferença, para o Direito brasileiro, entre pessoas presentes e ausentes no contexto da proposta.

As pessoas estão presentes quando conseguem comunicar-se em tempo real, como se faz por telefone ou em reuniões. Nesses casos, a pessoa aceita a proposta, faz uma contraproposta ou diz que vai avaliar. Em qualquer desses cenários, ela vai precisar indicar, na hora, qual dos caminhos ela vai seguir.

Já na hipótese das pessoas ausentes, a comunicação não se dá em tempo real, como é o caso do e-mail ou até do whatsapp. Nesse cenário, a pessoa pode “dar um tempo” e escolher se responde na hora ou depois.

Boas práticas para apresentação de propostas e contrapropostas:

  • Use um modelo que indica que a proposta ou contraproposta não é vinculante.
  • Contrapropostas também devem seguir um fluxo de aprovação interna antes de serem enviadas
  • Indique prazo para resposta, para evitar indefinições.
  • Evite retratações e, se não for viável, comunique a outra parte o mais rápido possível.

 

2. Funcionários sem procuração podem vincular a empresa

 

A maior parte das grandes empresas toma muito cuidado na hora de outorgar procurações, para garantir que os funcionários tenham apenas os poderes dos quais precisam para desempenhar suas funções.

Quer saber como melhorar a gestão de procurações da sua empresa? Leia mais em:

Porém, existem casos nos quais pessoas podem vincular a empresa mesmo sem poderes para tanto.

É quando se aplica a chamada Teoria da Aparência.

Segundo esse instituto, se um terceiro de boa-fé negocia com uma pessoa que, razoavelmente, parece ter autorização para firmar o negócio em questão, o contrato será válido. Isso se mantém mesmo se for comprovado, posteriormente, que:

  • A pessoa não era mais funcionária da empresa;
  • O colaborador não tinha mais aquele cargo;
  • O funcionário não contava mais com aqueles poderes;
  • Aquela transação deveria ser submetida a um fluxo de governança específico;

 

Estudo de caso: Gerente de Suprimentos assina aditivo de contrato

Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial nº 887277/SC, no qual um Gerente de Suprimentos de uma determinada Sociedade Anônima assinou um aditivo a um contrato de prestação de serviços.

Porém, de acordo com os atos constitutivos da S.A., o termo em questão só poderia ser aprovado pela Diretoria.

A validade do contrato foi contestada judicialmente, mas o Tribunal entendeu que, naquele caso, o Gerente aparentava, para o terceiro contratante, ser a pessoa que teria poderes para firmar o mencionado aditivo. Portanto, o acordo permaneceu válido e vinculante.

 

Você já deve ter percebido que a aplicação da Teoria da Aparência é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo em que ela pode proteger a empresa, quando for a terceira de boa-fé, ela pode prejudicar a organização, mantendo a validade de um contrato firmado por pessoas sem poderes para tanto.

Boas práticas para evitar a aplicação da Teoria da Aparência:

  • Fazer uma análise de custo-benefício para determinar as hipóteses nas quais será preciso pedir a procuração do funcionário com o qual se está negociando;
  • Deixar evidente, para a contraparte, a existência de regras de governança que limitam os poderes para contratação dos negociantes;
  • Revogar imediatamente procurações de funcionários que mudem de função ou sejam desligados da empresa, comunicando aos pontos focais dos fornecedores sobre essa situação o quanto antes;

 

3. Prática subsequente altera contratos

 

Na hora de cumprir o acordo, é muito frequente que as áreas responsáveis pela gestão das das obrigações não sejam aquelas que negociaram os termos da transação. Muitas vezes elas nem têm acesso à íntegra das cláusulas, mas apenas a um resumo dos principais pontos a serem cumpridos.

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Isso faz com que, às vezes, a prática da gestão do contrato seja diferente do que estava previsto no texto.

É o caso, por exemplo, de um contrato que prevê que os itens adquiridos serão entregues mensalmente no armazém XPTO. Porém, todos os meses, os itens foram entregues e aceitos em outra localidade e ninguém nunca apontou o erro. 

Segundo o Princípio da Confiança, agora o local de entrega dos itens passa a ser o segundo armazém, mesmo contrariando o disposto no contrato. Isso porque o comportamento da empresa contratante gerou, na empresa contratada, uma expectativa razoável de que aquele seria o local adequado para as entregas.

Se, depois de um tempo, ficar verificado que aquele local não era apropriado para receber aquelas mercadorias, e que a cláusula havia indicado o armazém XPTO por um motivo relevante para a empresa, será preciso conversar com o fornecedor para convencê-lo a retomar o que havia sido estabelecido no contrato. Isso pode acabar gerando atritos e prejudicar a parceria.

Boas práticas para evitar a modificação de obrigações dos contratos:

  • Incluir no contrato uma cláusula indicando que “práticas subsequentes não implicarão alteração das obrigações contratuais”.
  • Dar plena visibilidade para os gestores dos contratos sobre todos pontos relevantes para o cumprimento, evitando desalinhamentos ao que foi acordado pelas partes.

 

Melhorando a relação entre Jurídico e Suprimentos

 

Informações como essas que você ficou sabendo agora podem ajudar muitas pessoas nos times de Suprimentos a contribuir para a gestão dos riscos legais da empresa.

Porém, por que nem sempre essa troca de conhecimentos ocorre internamente?

A resposta para essa pergunta pode estar relacionada a uma dificuldade em articular as equipes do Jurídico com os setores envolvidos na gestão de contratos e na contratação de fornecedores.

A ausência de processos estruturados entre essas equipes faz com que o contato, em geral, seja pautado por algum atrito e focado em resolver problemas mais imediatos, reduzindo os espaços para pensar soluções preventivas e colaborativas.

Então, tente aproveitar este texto para reabrir os espaços de comunicação e aproximar cada vez mais os times de Suprimentos e do Jurídico!

Ps.: Quando chegar a parte de reestruturar os fluxos de trabalho que envolvem contratos, aproveita e entra em contato com o netLex! Nós temos uma plataforma que pode ajudá-los a tornar seus acordos cada vez mais simples e seguros.Entre em contato com nossos especialistas!

Giuliana Rezende
Giuliana Rezende
Giuliana é advogada e mestranda em Direito pela UFMG. Além de ser apaixonada por tudo o que envolva as ciências jurídicas, também tem foco em gestão, economia e ESG. Combinando tudo isso, ela está sempre a procura de dados e abordagens inovadoras para mostrar todas as vantagens de uma gestão mais inteligente de contratos.