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Princípio da legalidade: como se aplica no direito contratual?

Base do ordenamento jurídico, o princípio da legalidade é indispensável para contratos válidos, seguros e alinhados à legislação.

 

O princípio da legalidade é uma das bases do ordenamento jurídico brasileiro. Estabelecido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, ele serve como um verdadeiro alicerce para a criação, interpretação e aplicação das leis. 

No direito contratual, esse princípio ganha contornos específicos, influenciando diretamente a validade, a eficácia e a interpretação dos contratos firmados entre as partes.

Neste artigo, explicamos o que é o princípio da legalidade, tipos, principais funções e como ele se manifesta na sua gestão contratual.

 

O que é o princípio da legalidade?

O princípio da legalidade determina que todas as ações, tanto do Estado quanto dos indivíduos, devem estar de acordo com a lei. No Direito Contratual, isso significa que nenhum contrato pode contrariar o que está previsto na legislação.

Ele é importante porque:

  • protege a ordem jurídica;
  • impede que interesses individuais se sobreponham ao interesse público;
  • cria um padrão objetivo que deve ser seguido por todos;
  • evita decisões arbitrárias, assegurando que os direitos e deveres sejam aplicados de forma justa e previsível;
  • garante que as relações jurídicas, especialmente as contratuais, ocorram dentro de um ambiente de confiança e estabilidade. 

Quando todos sabem que devem agir conforme a lei, há menos espaço para incertezas, conflitos e fraudes. Consequentemente, há um fortalecimento do cumprimento das normas e o respeito mútuo nas relações civis e comerciais. 

Qual a função do princípio da legalidade?

A função do princípio da legalidade é garantir que todos os atos jurídicos, inclusive os contratos, respeitem os limites e as regras estabelecidas pela lei, promovendo segurança jurídica e prevenindo abusos.

Considere, por exemplo, um contrato de fornecimento firmado com uma empresa que atua em atividade regulada, como mercado de capitais, inclua cláusulas em desacordo com normas da CVM.

Mesmo que as partes estejam de acordo e o contrato esteja formalmente assinado, tais cláusulas serão consideradas nulas, podendo inclusive gerar responsabilização solidária entre os contratantes por descumprimento legal. O princípio da legalidade, nesse contexto, atua como um filtro preventivo, impedindo que a autonomia contratual viole a regulação setorial.

Em relações empresariais complexas, como contratos de terceirização ou parcerias estratégicas, é comum a tentativa de flexibilizar obrigações legais sob o argumento da autonomia negocial. 

No entanto, cláusulas que, por exemplo, descaracterizem vínculo empregatício em desacordo com a CLT ou transferem obrigações tributárias indevidamente serão invalidadas com base na legalidade, além de colocarem a empresa em risco de autuações fiscais, passivos trabalhistas e danos reputacionais.

Qual a diferença entre princípio da legalidade e reserva legal?

A principal diferença entre o princípio da legalidade e a reserva legal está no alcance e na exigência de forma.

O princípio da legalidade é mais amplo: exige que todas as ações, do Estado e dos particulares, estejam de acordo com a lei. Ele regula o conteúdo dos atos, assegurando que nada seja feito contra ou além do que a lei permite.

Por sua vez, a reserva legal tem aspecto mais específico. Ela exige que certos assuntos só podem ser tratados por meio de lei formal (aprovada pelo Legislativo). Ou seja, trata da forma como uma norma deve ser criada, e não apenas do seu conteúdo.

Em outras palavras, não basta um decreto, portaria ou outro ato administrativo. É necessária uma lei específica. 

Por exemplo, a criação de um novo imposto só pode ocorrer por meio de lei aprovada pelo Congresso. Se o governo tentasse instituir um tributo por decreto, isso violaria a reserva legal, pois a Constituição exige que esse tipo de matéria seja regulada por lei.

Quais os tipos de princípio da legalidade?

Os tipos de princípio da legalidade podem ser classificados conforme o sujeito a quem se aplicam.

Legalidade para a Administração Pública

Nesse caso, os agentes públicos só podem agir conforme o que está expressamente previsto em lei. Ou seja, se a lei não autoriza, a ação é proibida. Isso garante controle e limita o poder estatal, prevenindo abusos.

Legalidade para os particulares

Os cidadãos têm liberdade para agir em tudo que a lei não proíbe. Diferente do agente público, o particular não precisa de autorização legal para agir, desde que sua conduta não viole nenhuma norma jurídica.

Legalidade penal (estrita)

No direito penal, só é possível punir uma pessoa por um ato que esteja previamente definido como crime por lei formal. Também se exige que a pena correspondente esteja descrita na norma, garantindo previsibilidade e proteção contra abusos do Estado.

Legalidade tributária

Estabelece que a criação ou aumento de tributos deve ser feita por meio de lei específica, aprovada pelo Poder Legislativo. Além disso, deve respeitar princípios como anterioridade e legalidade, assegurando que o contribuinte não seja surpreendido por cobranças arbitrárias.

Legalidade contratual

As partes têm liberdade para firmar contratos, mas devem respeitar os limites impostos pela legislação. Isso significa que cláusulas contratuais que contrariem a lei são inválidas, mesmo que as partes estejam de acordo com elas.

Diferenças entre legalidade restrita e legalidade ampla

A diferença real entre legalidade restrita e legalidade ampla está na autonomia de ação e na extensão das permissões para os sujeitos a quem se aplicam:

  • Legalidade restrita: aplica-se à Administração Pública e impõe um controle mais rigoroso sobre suas ações. Isso significa que o agente público só pode agir conforme o que a lei autoriza explicitamente. Caso a lei não preveja uma ação, ela é considerada ilegal. A principal característica é a limitação da liberdade de ação do poder público, para garantir que ele não ultrapasse seus limites legais;
  • Legalidade ampla: aplica-se aos particulares (cidadãos) e permite uma maior liberdade de ação. Ou seja, os indivíduos podem fazer tudo o que a lei não proíbe. Nesse caso, a ação do particular não precisa de autorização expressa da lei, apenas deve respeitar as normas existentes que impõem limites. Aqui, o princípio é de liberdade para agir, desde que não haja proibição legal.

Em suma, a legalidade restrita se traduz em uma restrição de liberdade para os agentes públicos, enquanto a legalidade ampla se traduz em liberdade de ação para os particulares, desde que não haja proibição legal explícita.

Conclusão

No ambiente empresarial, o princípio da legalidade funciona como eixo estruturante da governança contratual. Ao garantir que os contratos estejam em conformidade com o ordenamento jurídico, esse princípio não apenas evita nulidades e litígios, mas também sustenta práticas de compliance, mitiga riscos regulatórios e fortalece a reputação institucional. 

Para o gestor jurídico, compreender e aplicar a legalidade contratual é mais do que uma obrigação técnica: é uma alavanca para decisões seguras, auditáveis e alinhadas às estratégias de médio e longo prazo da organização.

E, embora a legalidade imponha limites, ela não anula a liberdade contratual, apenas exige que esta opere dentro dos contornos permitidos. A combinação entre legalidade e autonomia da vontade, quando bem equilibrada, permite construir contratos eficazes, inovadores e juridicamente sustentáveis.

Para entender melhor como esses princípios se equilibram e como a autonomia da vontade pode beneficiar a sua gestão contratual, confira nosso artigo completo sobre o princípio da autonomia da vontade.

Equipe netLex
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