Nos últimos anos, o crescimento exponencial do número de microempreendedores individuais (MEIs) alterou a forma como empresas contratam serviços, especialmente para demandas pontuais ou projetos especializados.
Apenas em 2024, mais de 4 milhões de pequenos negócios foram abertos no Brasil, sendo que quase 75% deles estão enquadrados como MEI, segundo o Sebrae.
Para departamentos jurídicos, esse cenário impõe uma demanda latente: garantir que a contratação desse perfil de prestador seja feita com clareza contratual, segurança jurídica e sem risco de caracterização de vínculo empregatício.
Mesmo em modelos aparentemente simples, como o contrato com um MEI, a ausência de rigor técnico pode gerar passivos trabalhistas, conflitos contratuais e impactos diretos nas políticas de compliance da organização.
Neste conteúdo, reunimos os principais modelos contratuais que envolvem MEIs e indicamos os cuidados fundamentais para que o jurídico atue de forma estratégica e preventiva na gestão desse tipo de relação comercial.
O contrato MEI de prestação de serviços é um documento que formaliza a relação entre o profissional e o contratante, que pode ser uma pessoa física ou jurídica. Ele é ideal para freelancers ou autônomos, pois oferece segurança entre as partes.
Nele, estão definidos termos importantes acerca do trabalho que será realizado, bem como os direitos e deveres. Para empresas, ele ajuda a prevenir passivos trabalhistas e mitigar as chances de disputas judiciais. Afinal, como não há vínculo empregatício, não há relação de trabalho.
Por isso, a importância de realizar uma boa gestão de contratos, principalmente se a sua empresa costuma contratar um volume grande de profissionais MEI para atividades esporádicas.
A propósito, a legislação que dispõe sobre o trabalho temporário, relações de trabalho e prestação de serviços é a Lei nº 13.429 de 31 de março de 2017 e pode ser consultada no momento da elaboração do contrato MEI.
O contrato de prestação de serviço com microempreendedores individuais pode assumir diferentes formatos, dependendo do tipo de atividade, do nível de exposição a riscos e da complexidade do escopo. A seguir, apresentamos os modelos mais recorrentes e os pontos de atenção que o departamento jurídico deve considerar em cada um deles.
É o modelo mais comum para formalizar a contratação de MEIs. Deve conter, obrigatoriamente:
Este contrato deve ser especialmente rigoroso quando a atividade contratada envolver rotina, horários fixos ou subordinação prática. Nesses casos, a clareza do escopo e a ausência de elementos que configurem vínculo empregatício são essenciais para evitar ações trabalhistas.
Quando o MEI terá acesso a dados sensíveis, estratégicos ou propriedade intelectual da empresa, um NDA se torna indispensável. Ele protege a organização contra vazamentos e uso indevido de informações e reforça o compromisso profissional do prestador.
O jurídico deve assegurar que a cláusula de confidencialidade contenha escopo claro, prazo de vigência (inclusive pós-término da prestação de serviços) e penalidades específicas para descumprimento.
Se o MEI aluga um imóvel para operar, como estúdios, salas comerciais ou pontos de venda, o contrato de locação precisa observar regras próprias. Aqui podemos incluir aspectos como prazos diferenciados, permissões para uso comercial e cláusulas de renovação.
Embora esse contrato não envolva diretamente a empresa contratante, ele pode impactar a regularidade fiscal e operacional do prestador, especialmente em segmentos regulados. Em algumas situações, é prudente solicitar cópia do contrato de locação vigente do MEI durante o processo de onboarding.
O MEI pode ter um empregado formalizado, conforme previsto em lei. Isso interessa ao jurídico corporativo quando a empresa lida com MEIs que, para cumprir contratos maiores, ampliam sua operação com apoio de terceiros.
Nesses casos, é recomendável verificar o cumprimento da legislação trabalhista pelo MEI contratante, sobretudo para evitar corresponsabilidade indireta, especialmente se houver terceirização de etapas críticas do serviço.
A contratação de MEIs tem sido uma alternativa recorrente para reduzir custos operacionais e dar mais agilidade à execução de serviços. No entanto, o uso indiscriminado desse modelo pode configurar pejotização, prática que simula uma prestação de serviços autônoma para encobrir um vínculo empregatício.
O risco é alto: além de ações judiciais com pedido de reconhecimento de vínculo, a empresa pode ser penalizada criminalmente por fraude à legislação trabalhista.
Ainda que exista um contrato formalizado entre empresa e MEI, a Justiça do Trabalho analisa a realidade da relação. Se os seguintes elementos estiverem presentes de forma simultânea, há grandes chances de caracterização de vínculo:
Esses quatro elementos compõem o chamado "teste da relação de emprego". Quando identificados, o contrato com MEI pode ser desconsiderado judicialmente e a empresa responder por vínculo trabalhista retroativo.
De acordo com o artigo 203 do Código Penal, a pejotização pode ser enquadrada como crime de fraude à legislação trabalhista:
“Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena – detenção de um a dois anos e multa, além da pena correspondente à violência.”
(Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)
Além da esfera criminal, a empresa pode enfrentar:
Cabe ao departamento jurídico não apenas revisar contratos, mas monitorar a execução prática da relação com prestadores MEI, orientando líderes, gestores e áreas contratantes.
Em contextos de volume, é altamente recomendável mapear os contratos ativos, identificar padrões de risco e estabelecer protocolos claros de gestão contratual — incluindo treinamentos sobre o que configura subordinação e vínculos disfarçados.
Mesmo sendo um modelo simplificado de negócio, o MEI precisa ser tratado com o mesmo rigor jurídico de qualquer outra pessoa jurídica quando contratado por empresas. A informalidade na prática, ainda que com contratos formais, é um dos principais pontos de fragilidade que levam à judicialização.
Para empresas que contratam dezenas ou centenas de prestadores PJ simultaneamente, a gestão contratual não pode depender apenas de pastas compartilhadas ou checklists manuais. É preciso garantir:
Mais do que prevenir riscos, uma gestão estruturada de contratos com MEIs também pode se tornar um diferencial de compliance e eficiência para o jurídico, especialmente, em ambientes que operam sob pressão regulatória ou metas ESG.
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