Em um primeiro olhar, o contrato de comodato parece simples: é só o empréstimo gratuito de um bem. Mas basta ampliar o escopo para contextos corporativos, como o empréstimo de imóveis, veículos ou equipamentos, para perceber que ele pode se tornar uma fonte silenciosa de prejuízos, disputas e insegurança jurídica.
Mesmo sem envolver pagamento, o comodato gera obrigações legais, impactando o patrimônio empresarial e, frequentemente, é negligenciado em processos de gestão contratual. Ao longo deste artigo, você vai entender os principais pontos de atenção ao estruturar um contrato de comodato, as cláusulas necessárias para proteger sua empresa e como evitar armadilhas comuns nesse tipo de operação.
O comodato está previsto no artigo 579 do Código Civil brasileiro, que assim o define:
“Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.”
Ou seja, bens que não podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade ou quantidade. Isso inclui, por exemplo, imóveis, veículos, máquinas, equipamentos e obras de arte.
Na prática, o comodato se formaliza com a entrega do bem (a chamada "tradição"), e é considerado um contrato unilateral: apenas o comodatário (quem recebe o bem) assume obrigações, entre elas: conservar o objeto e devolvê-lo ao final do prazo estabelecido.
A aparente simplicidade do comodato muitas vezes leva empresas a negligenciar etapas críticas na sua formalização. O resultado? Lacunas contratuais, ausência de responsabilização clara e riscos que poderiam ser evitados com uma estrutura adequada.
Leia também Como melhorar a gestão de contratos
A elaboração de um contrato, seja ele de comodato ou de qualquer outra natureza, deve considerar as particularidades de cada negociação. Embora os documentos tenham alguns critérios legais a serem cumpridos, há uma série de variáveis que precisam ser consideradas caso a caso.
Para que o contrato de comodato seja juridicamente válido, ele deve conter alguns elementos fundamentais:
Recomenda-se também incluir cláusulas sobre a possibilidade de prorrogação do contrato, as condições para rescisão e as penalidades em caso de descumprimento das obrigações contratuais.
Mesmo sendo gratuito, o comodato pode comprometer a operação de uma empresa. Veja os riscos mais comuns:
Sem uma descrição detalhada (incluindo número de série, estado de conservação, funcionalidades e limitações), é impossível responsabilizar o comodatário por danos ou mau uso.
Comodatos com prazos indeterminados ou sem previsão clara de devolução dificultam a recuperação do bem, especialmente, em casos de ruptura de relação entre as partes.
Sem o direito de vistoriar o bem periodicamente, o comodante (quem empresta) perde controle sobre o uso e a conservação do objeto.
Quando o bem emprestado tem alto valor, a ausência de seguro transfere para a empresa um risco que poderia (e deveria) ser mitigado contratualmente.
Comodatos firmados “de boca” ou por e-mails informais ainda são comuns. A ausência de um contrato formal dificulta a responsabilização jurídica em caso de conflito.
Para garantir segurança jurídica e alinhamento entre as partes, o contrato de comodato deve conter, no mínimo:
A seguir, trouxemos um modelo básico de contrato de comodato que pode ser usado como referência para a construção do documento. Inclua neste modelo as cláusulas e condições da negociação para garantir a segurança jurídica e adequação às suas necessidades.
CONTRATO DE COMODATO
COMODANTE: [Nome completo], [nacionalidade], [estado civil], [profissão], portador(a) do RG nº [número do RG] e do CPF nº [número do CPF], residente e domiciliado(a) em [endereço completo], [endereço eletrônico].
COMODATÁRIO: [Nome completo], [nacionalidade], [estado civil], [profissão], portador(a) do RG nº [número do RG] e do CPF nº [número do CPF], residente e domiciliado(a) em [endereço completo], [endereço eletrônico].
CLÁUSULA PRIMEIRA — DO OBJETO DO COMODATO: [Descrição completa do bem, incluindo suas características, estado de conservação e demais informações relevantes].
CLÁUSULA SEGUNDA — DO PRAZO DO COMODATO: [Prazo determinado ou indeterminado].
CLÁUSULA TERCEIRA — O COMODATÁRIO obriga-se a usar o bem exclusivamente para a finalidade [descrever a finalidade], conservando-o em perfeito estado e responsabilizando-se por eventuais danos causados por ele ou terceiros.
CLÁUSULA QUARTA — O COMODATÁRIO não poderá sublocar, emprestar ou ceder o bem a terceiros, sob pena de rescisão do contrato e responsabilização por perdas e danos.
[Incluir cláusulas complementares de acordo com a negociação].
CLÁUSULA QUINTA — O COMODANTE poderá vistoriar o bem a qualquer tempo, mediante aviso, para verificar o seu estado de conservação e o cumprimento das obrigações contratuais.
[Incluir cláusulas complementares segundo a negociação].
CLÁUSULA SEXTA — O COMODATÁRIO deverá restituir o bem ao COMODANTE ao final do prazo do comodato ou quando solicitado, nas mesmas condições em que o recebeu, salvo os desgastes naturais decorrentes do uso regular.
[Incluir cláusulas complementares de acordo com a negociação].
CLÁUSULA SÉTIMA — DAS CONDIÇÕES GERAIS: O presente contrato rege-se pelas disposições do Código Civil e demais leis aplicáveis.
[Incluir cláusulas complementares conforme a negociação].
CLÁUSULA OITAVA — DO FORO — As partes elegem o foro da comarca de [cidade], Estado de [estado], para dirimir quaisquer dúvidas ou litígios decorrentes do presente contrato, renunciando a qualquer outro, por mais privilegiado que seja.
E, por estarem assim justos e contratados, as partes assinam o presente termo em 2 vias de igual teor, na presença das duas testemunhas abaixo.
[Local], [data].
[Nome e assinatura do COMODANTE]
[Nome e assinatura do COMODATÁRIO]
TESTEMUNHAS:
[Nome completo], [CPF], [endereço]
[Nome completo], [CPF], [endereço]
O comodato pode ser uma solução útil e econômica em diversas situações, como:
No entanto, sua simplicidade legal não pode ser confundida com ausência de risco. Empresas que operam com contratos de comodato recorrentes devem adotar padrões claros, documentação formalizada e, sempre que possível, integrar esse processo a uma plataforma de gestão contratual.
O contrato de comodato é um instrumento útil e, quando bem estruturado, eficaz. Mas é também um ponto cego comum em departamentos jurídicos, especialmente em empresas com operações descentralizadas ou com múltiplas unidades emprestando ativos entre si.
Ignorar as formalidades pode sair caro. E mais do que entender o que diz o Código Civil, gestores jurídicos precisam enxergar o comodato como o que ele realmente é: um contrato como qualquer outro, sujeito a riscos, obrigações e passivos.
Gostou de saber mais sobre o contrato de comodato? Aproveite para conferir o artigo “25 tipos de contratos: quais são e o que não pode faltar em cada um” e aprofunde seu conhecimento sobre esse tipo de documento.